Elton Alisson | Agência FAPESP – Pesquisadores das faculdades de Medicina (FMRP) e de Odontologia (Forp) da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, e do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer, em Campinas, elucidaram o mecanismo molecular de uma das mutações genéticas causadoras da poliendocrinopatia autoimune associada à candidíase e distrofia ectodérmica (Apeced, na sigla em inglês).
Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram descritos na revista Frontiers in Immunology.
“Conseguimos observar como o mecanismo molecular de uma das mutações que desencadeiam a síndrome Apeced atua nas células da glândula do timo. A descoberta pode contribuir para orientar, no futuro, terapias gênicas para pacientes com essa doença rara”, diz à Agência FAPESP Geraldo Aleixo Passos, professor da Forp e da FMRP-USP que coordenou o projeto. O primeiro autor do estudo é Jadson Santos, que realiza doutorado na FMRP-USP sob a orientação de Passos.
A síndrome Apeced se manifesta geralmente na infância, inicialmente com a ocorrência de candidíase, e é causada por mutações no gene AIRE (sigla em inglês de autoimmune regulator), identificado como responsável pela suscetibilidade a doenças autoimunes ao controlar a tolerância imunológica.
A tolerância imunológica permite que o sistema imune seja capaz de distinguir os antígenos próprios do corpo humano dos antígenos de microrganismos patogênicos, impedindo que os componentes próprios sejam atacados pelas células T – glóbulos brancos especializados em coordenar a resposta de defesa contra tumores e agentes infecciosos. Quando a tolerância imunológica é suprimida surgem as doenças autoimunes, explica Passos.
“O AIRE controla a expressão dos antígenos do corpo na glândula do timo, sinalizando para o sistema imune não reagir contra esses autoantígenos”, afirma.
Uma das principais mutações no gene AIRE apresentadas em pacientes com a síndrome Apeced, chamada G228W, é observada em uma região da proteína codificada por esse gene chamada de domínio SAND.
“Já se sabia que essa mutação está associada à síndrome Apeced, mas ainda não tinham sido elucidados seus mecanismos moleculares, ou seja, como uma proteína AIRE mutante atua no timo”, diz Passos.
Por meio de ferramentas de bioinformática, os pesquisadores simularam estruturas da proteína codificada pelo gene AIRE sem e com a mutação G228W e analisaram com quais outras proteínas ela interage no núcleo celular para permitir que as células do timo controlem a expressão dos autoantígenos, de modo que não sejam atacados pelo sistema imunológico.
Os resultados das análises indicaram que, em condições normais, sem a mutação G228W, a AIRE se associa temporariamente a uma proteína, chamada SIRT1, desencadeando uma cascata de eventos biomoleculares que permite que as células do timo expressem os genes dos autoantígenos. Já a proteína mutante apresenta um defeito na associação com a proteína SIRT1 que prejudica a transcrição dos genes dos autoantígenos.
A constatação foi corroborada por meio de experimentos feitos na bancada do laboratório com peptídeos contendo resíduos de aminoácidos do domínio SAND da proteína AIRE com e sem a mutação G228W.
“Observamos que a mutação G228W no domínio SAND influencia negativamente a interação entre as proteínas AIRE e SIRT1. A proteína AIRE com a mutação perde a função de permitir a transcrição dos autoantígenos pelas células do timo”, afirma Passos.
Modelo de estudo
Embora a síndrome Apeced, que é a principal doença causada pela mutação no gene AIRE, seja bastante rara, os pesquisadores avaliam que ela é um bom modelo para avançar na compreensão de como o corpo humano tolera a si próprio.
“Essa é uma questão fundamental da imunologia porque uma das funções do sistema imune é tolerar os constituintes próprios do corpo, e o gene AIRE é fundamental para esse controle”, afirma Passos.
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