Mais de 200 trabalhadores resgatados de trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, estão alojados em um ginásio de esporte, segundo informou o jornal Pioneiro. Um empresário, 45 anos, natural de Valente, na Região do Sisal, foi preso, porém foi liberado após pagar fiança.
Com colchonetes no chão e cadeiras instaladas pela prefeitura, os homens, maioria da Bahia, tentam enfrentar os reflexos da exploração pela qual passaram. Outros, grande parte de bermuda e chinelos, encararam o dia frio e circulam em frente ao prédio. A prefeitura não autorizou a entrada da imprensa no ginásio – as fotos foram feitas por um dos trabalhadores.
Os trabalhadores questionam a prefeitura quando sairão dali e voltarão para suas casas. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) realizou o cadastramento de todos. Eles estão sendo identificados, segundo os fiscais, para facilitar o processo do pagamento pela empresa que os contratou. Ainda não há uma data, segundo o MTE, para retorno dos homens às suas cidades: primeiro é preciso que a empresa pague pelos direitos trabalhistas e depois que forneça o transporte.
Um dos resgatados está um homem de 37 anos, que desistiu de trabalhar com carteira assinada para ir a Beto Gonçalves pois recebeu uma proposta de receber R$ 4 mil, com direito a alimentação e alojamento.
“Um amigo chegou com a informação que estavam contratando para trabalhar na colheita da uva. Eu fui chamando o pessoal e a maioria dos que estão aqui moravam no meu bairro lá em Salvador. Eu nunca mais coloco os pés aqui. Eu era retirado da cama com arma de choque, com agressões”, contou.
Ele tem um ferimento no supercílio depois de ser agredido por segurança ao separar uma briga. Ele conta que eram forçados a comer comida estragada e que os seguranças falavam que deviam agradecer e que “baiano bom é baiano morto”
“Viemos pra trabalhar e chegamos aqui e fomos morar num quarto apertado que parecia uma cela de presídio ou hospício. Eu não vejo as pessoas aqui como policiais ou do Ministério do Trabalho ou repórter: vejo como nossos anjos que Deus mandou depois das orações das nossas famílias”, contou ao jornal Pioneiro.
Conta ainda que emagreceu bastante desde que chegou o que causou ainda mais desespero na família dele em Salvador.
“A gente só quer ir embora daqui o mais rápido possível. Eles botavam terror e chamavam a gente de demônio e andavam com arma de fogo, cassete e espero que isso sirva de alerta quando receber propostas de emprego por Facebook ou WhatsApp. Não vá sem investigar que é isso mesmo. Que ninguém mais passe por isso. A gente não está bem emocionalmente. O que eles vão pagar ainda é pouco e eles tem que pagar pelo que fizeram com a gente”, disse.
Os trabalhadores eram ligados à empresa terceirizada Oliveira & Santana, de um empresário natural de Valente, na Região do Sisal, que fornecia a mão de obra para produtores para a colheita da uva e também para três vinícolas, para atuar no descarregamento de uva pós-colheita. As vinícolas seriam Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi.
O gerente regional do MTE, Vanius Corte, afirmou que essas vinícolas serão responsabilizadas pelo pagamento dos direitos trabalhistas dos homens. A informação foi dada em entrevista ao programa Timeline da Rádio Gaúcha.
Em nota, as empresas afirmam que desconheciam as irregularidades e sempre atuaram dentro da lei.
Por meio de assessorias de imprensa, as três empresas citadas na operação se manifestaram.
O que diz a Aurora:
“NOTA À IMPRENSA
A Vinícola Aurora se solidariza com os trabalhadores contratados pela empresa terceirizada e reforça que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão.
No período sazonal, como a safra da uva, a empresa contrata trabalhadores terceirizados, devido à escassez de mão-de-obra na região. Com isso, cabe destacar que Aurora repassa à empresa terceirizada um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas.
Além disso, todo e qualquer prestador de serviço recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e janta.
A empresa informa também que todos os prestadores de serviço recebem treinamentos previstos na legislação trabalhista e que não há distinção de tratamento entre os funcionários da empresa e trabalhadores contratados.
A vinícola reforça que exige das empresas contratadas toda documentação prevista na legislação trabalhista.
A Aurora se coloca à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos.”
O que diz a Salton:
“A empresa não possui produção própria de uvas na Serra Gaúcha, salvo poucos vinhedos situados junto a sua estrutura fabril que são manejados por equipe própria. Durante o período de safra, a empresa recorre à contratação de mão de obra temporária. Estes temporários permanecem em residências da própria empresa, atendendo a todos os critérios legais e de condições de habitação. A empresa ainda recorre, pontualmente, à terceirização de serviços para descarga. Neste caso, o vínculo empregatício se dá através da empresa contratada com o objetivo de fornecimento de mão de obra. No ato da contratação é formalizada a responsabilidade inerente a cada parte. Neste formato, são 7 pessoas terceirizadas por esta empresa em cada um dos dois turnos. Estas pessoas atuam exclusivamente no descarregamento de cargas. Através da imprensa, a empresa tomou conhecimento das práticas e condições de trabalho oferecidas aos colaboradores deste prestador de serviço e prontamente tomou as medidas cabíveis em relação ao contrato estabelecido. A Salton não compactua com estas práticas e se coloca à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo.”
O que diz a Cooperativa Garibaldi:
“Nota à imprensa
Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada.
Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia.
Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado.
A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes.
Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito.
Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos.”
As informações aqui apresentadas foram retiradas do jornal O Pioneiro.
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